Algumas matérias veiculadas na mídia que retratam o lado negro do SANTO DAIME:
REVISTA Veja – DATA: 10/01/1996 EDIÇÃO: 1426 PÂG.: 40-44
A SEITA DO BARATO
Engrossam as acusações de que há algo de podre no reino do SANTO DAIME e seus cultos embalados a chá alucinógeno
Okky de Souza, de Boca do Acre
Até poucos meses antes de se matar com um tiro de carabina na testa, há dois anos, Laudelino Geraldino de Souza confundia-se com os milhares de trabalhadores rurais que vivem no município de Boca do Acre, no sul do Amazonas. Aos 30 anos, casado e com três filhos, ele dizia aos amigos que era feliz. Tinha um único problema: era epiléptico e de tempo em tempo sofria ataques. Um dia, Laudelino ouviu falar que a cura para sua doença, que na verdade é incurável, poderia estar perto, no município de Pauini, a um dia e meio de canoa pelo Rio Purus. Lá funciona a comunidade de Céu do Mapiá, quartel-general da seita do Santo Daime, aquela em que os adeptos tomam um chá alucinógeno em seus cultos religiosos e também nas sessões de cura que promovem com doentes. Laudelino partiu para lá sem demora.O Santo Daime, que surgiu nos anos 20 no interior do Acre, ficou conhecido no final da década de 80 por atrair artistas conhecidos para suas fileiras. Lucélia Santos, Ney Matogrosso, Maitê Proença, Eduardo Dusek, Raul Gazolla todos eles participaram de rituais num dos trinta centros que a seita mantém no país e que hoje se multiplicam em ritmo equivalente ao da Igreja Universal de Edir Macedo. O agricultor Laudelino não conhecia esse lado glamouroso do Santo Daime.
Queria apenas se curar e passou dois períodos seguidos no Céu do Mapiá. Quando voltou para casa pela segunda vez, sua saúde e sua personalidade haviam mudado – para pior. Os ataques epilépticos tornaram-se mais freqüentes. Ele ficou violento, a ponto de a mulher e os filhos abandoná-lo. Foi ao Daime pela terceira vez, voltou para casa carregando uma garrafa do chá alucinógeno, consumiu-a e, terminada a última gota, suicidou-se. “A cada vez que ia para o Daime ele ficava mais perturbado”, chora a mãe do agricultor, Lindalva de Souza. O suicídio de Laudelino é um dos muitos episódios que, nos últimos tempos, vêm levantando suspeitas acerca das atividades do Santo Daime. Para os fiéis, que hoje somam cerca de 5.000 em todo o país, a seita representa uma forma de ajuda através da espiritualidade. O chá, conhecido como ayauhasca, obtido pelo cozimento de um cipó e uma planta, ambos nativos da Amazônia, teria poderes de desvendarem novos mundos a seus consumidores. Ele os faria mergulhar na consciência, levando a uma reavaliação da própria vida e a uma aproximação com Deus. Os daimistas acreditam tanto nos poderes da beberagem que, nas cerimônias, administram-na até em crianças pequenas. Chegam a misturá-la às mamadeiras dos bebês. Ao mesmo tempo em que a seita floresce, engordam as denúncias de que seus rituais podem levar à loucura e à morte, de que seus adeptos são submetidos a lavagens cerebrais e de que drogas como a maconha e a cocaína são moeda corrente nas cerimônias.
MORTE NA FOGUEIRA
Dois livros lançados nas últimas semanas reúnem o mais grave pacote de acusações até hoje levantado contra os daimistas. No primeiro deles, Santo Daime – Fanatismo e lavagem Cerebral, a terapeuta Alicia Castilla relata o penoso caminho que tem percorrido para recuperar sua filha, Verônica. Em 1990, então com 13 anos, Verônica começou a freqüentar o Daime no templo que a seita mantém em Visconde de Mauá, uma cidade turística na Serra da Mantiqueira, no Estado do Rio de Janeiro. Mudou-se para lá, nunca mais voltou para casa e hoje mora na Colônia 5000, núcleo da seita em Rio Branco, no Acre. Alicia arrola uma série de argumentos para provar que Verônica foi vítima de uma manobra do Daime para seqüestrá-la e aliciá-la. No segundo livro, Tragédia na Seita do Daime, o jornalista Jorge Mourão relata o suicídio de seu filho adotivo, Jambo, ocorrido há três anos na colônia do Céu do Mapiá. Num acesso de loucura, Jambo, na época com 20anos, armou uma fogueira, acendeu-a e atirou-se sobre ela. Mourão está processando a seita. Em torno do relato desses dois dramas familiares, tanto Alicia quanto Mourão costuram um rosário de denúncias contra o Centro Eclético da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra, conhecido pela sigla Cefluris, a maior entre as várias correntes do Santo Daime. O integrante mais conhecido do Cefluris, que ocupa o cargo de secretário-geral e principal administrador, é Alex Polari, ex-terrorista que na década de 70 militava nas organizações clandestinas de esquerda e por isso passou vários anos na cadeia. [Polari ganhou certa notoriedade por ter sido a última pessoa a ver vivo o colega de luta armada Stuart Angel Jones, filho da estilista Zuzu Angel, morto nos porões do DOI-Codi. Há 14 anos, abandonando o ateísmo marxista, Polari ingressou no Santo Daime, transformando-se em sua principal autoridade e porta-voz. Hoje, usa até a longa barba branca de Matusalém que caracteriza os “padrinhos” – líderes religiosos da seita – e tem dois livros publicados sobre o Daime. Para Alicia Castilla e Jorge Mourão, Polari é uma espécie de Jim Jones amazônico que comanda uma organização inescrupulosa. Em seu livro, Alicia conta as diversas etapas de sua luta para recuperar a filha junto aos membros do Cefluris e à Justiça. Em junho de 1990, os daimistas conseguiram a guarda de Verônica junto a um juiz de Resende, no Estado do Rio de Janeiro, alegando que em casa ela era maltratada pela mãe. Alicia recorreu à promotoria e, em outubro, um outro juiz determinou que Verônica voltasse para casa. Como ela relutasse em acatar a decisão, a promotora deu-lhe uma alternativa: “A única chance, não sendo a casa da tua mãe, é a casa do menor de rua”. Verônica preferiu a segunda opção. Depois de dividir o mesmo teto com menores delinqüentes, nos dois anos seguintes ela foi acolhida por diversas famílias de Resende e morou um tempo na casa do ator Carlos Augusto Strazzer, também adepto do Daime e morto pela Aids em 1993. Foi para São Paulo e se abrigou com o cartunista Glauco, autor das tiras do Geraldão, também daimista. Finalmente, tomou dinheiro emprestado de Glauco e comprou uma passagem de ônibus para Rio Branco, onde se instalou na comunidade da Colônia 5000. Alicia nega que maltratasse a filha. Verônica diz apenas que “sofreu muito” com as brigas na Justiça e com a constante troca de lares.
ARTISTAS
Jorge Mourão, em seu livro, acusa o Cefluris de ter submetido Jambo a torturas psicológicas que o teriam levado ao suicídio. Em 1991, Jambo deixou Porto Seguro, na Bahia, onde morava com a família, e mudou-se para Visconde de Mauá, passando a freqüentar o centro daimista local. Lá trabalhava como aprendiz de marceneiro. Segundo o relato de Mourão, um ano depois ligou para a família, aflito. Considerava o trabalho insalubre por ter de respirar pó de serragem e agüentar o barulho da motosserra horas seguidas. Fez as malas e tentou deixar a comunidade, mas foi impedido. Teriam dito que ele estava desequilibrado mentalmente e que poderia até ser amarrado se tentasse deixar o local. Jambo fugiu, abrigando-se na casa de parentes no Rio, e pouca semana depois seguiu para o Acre, certo de que no Céu do Mapiá encontraria melhores condições de vida dentro da comunidade daimista. Acabou se matando.O Cefluris procura minimizar os casos de Verônica e de Jambo. Para Alex Polari, Verônica optou, por conta própria, viver na Colônia 5.000, e o livro de sua mãe é “fruto de uma mente transtornada, danificada” Quanto a Jambo, Polari afirma que ele foi para o Céu do Mapiá contrariando a própria orientação da comunidade, e que ele era viciado em cocaína. “Casos como o de Verônica e de Jambo, de jovens que abandonam a família ou se suicidam, acontecem entre gente de qualquer credo, católicos, protestantes ou umbandistas, mas ninguém culpa essas religiões pelas fatalidades”, pondera Alex Polari. “Por que então responsabilizar o Daime nesses dois episódios?”, ele pergunta. Polaris tem razão. É impossível avaliar até que ponto a convivência com os daimistas teria influenciado a fuga de Verônica ou o suicídio de Jambo. Mas não há como negar que o Santo Daime é uma seita com características muito peculiares. Sua maior concentração de fiéis vive num local da selva amazônica acessível apenas a barcos pequenos. Embora vivam quase como índios muitos deles são egressos da classe média das grandes capitais brasileiras. Há também filhos de famílias ricas. Embalam sua fé com uma droga alucinógena, consumida fartamente até pelas crianças, Atraem artistas de sucesso e turistas estrangeiros. São comandados por um ex-terrorista transformado em líder espiritual. Finalmente, concorre para a estranheza da seita o fato de que muitos de seus adeptos a abandonam com denúncias sobre o que acontece no dia-a-dia do Céu do Mapiá.Tanto as acusações de Alicia quanto às de Mourão devem ser encaradas com certa reserva – ambos têm sua parcela de responsabilidade pelo que aconteceu a seus filhos. Alicia foi adepta do Santo Daime durante vários anos – ela mesma levou Verônica à seita, em Mauá, pela primeira vez, permitindo que consumisse a ayauhasca. Jambo foi parar no Céu do Mapiá com a anuência de Mourão, que chegou a ajudá-lo na viagem. Se a experiência do garoto em Mauá fora tão assustadora, é estranho que ele logo a seguir se tenha mudado para o QG dos daimistas, e mais estranho ainda que seu pai adotivo o tenha ajudado na mudança. Mourão, que no prefácio do livro se orgulha de ter vivido uma juventude aventureira, com longas peregrinações pelo mundo e mergulhos fundos em todas as drogas, alega que Jambo apenas seguiu o caminho que escolheu.
SOTAOUE CABOCLO
Por trás dos casos de Verônica e de Jambo, o que existe é o comportamento típico dos fanáticos religiosos, dos adeptos de seitas exóticas que prometem mundos ilusórios a seus fiéis. Muitos deles se dão por satisfeitos e seguem em frente sem transtornos aparentes. Alguns, mais suscetíveis a danos mentais nessas experiências, acabam como vítimas. Verônica, que teve uma infância confortável, hoje mora de favor no casebre de uma colega de seita da Colônia 5.000. Passa o tempo fazendo serviços domésticos nas casas das catorze famílias que compõem a comunidade. Tem o olhar perdido de quem vive em outra dimensão. Fala pouco, em português errado, e sempre num carregado sotaque caboclo – o sotaque urbano e o português polido não são bem-vistos pelos daimistas. Verônica diz que não volta para casa de jeito nenhum e que sua vida, agora, “é só o Daime”. Basta assistir a uma cerimônia do Santo Daime para verificar como seus rituais podem facilmente induzir ao fanatismo. Portando as obrigatórias roupas cerimoniais, chamadas de “fardas”, eles se reúnem no templo e chegam a passar doze horas seguidas dançando e cantando hinos religiosos. O ritmo da cerimônia é frenético, obsessivo. O combustível, tanto para empreender o mergulho espiritual quanto para suportar a maratona física, é a ayauhasca, o chá alucinógeno, consumido repetidamente durante o culto. Em pouco tempo estão tomados pelo que chamam de “mirações” – algo parecido com as “sacações” dos hippies que tomavam LSD. A ayauhasca é usada tradicionalmente por vários grupos indígenas da Amazônia. Ela entrou no Santo Daime através do criador da seita, o agricultor Irineu Serra, morto em 1971 aos 79 anos. Ele próprio escreveu as centenas de hinos entoados nos cultos. Os hinos, que misturam o cristianismo e o espiritismo, falam de Deus e do amor, das virtudes do trabalho e da justiça. Juntos, formam um livro de mais de 300 páginas, cujos exemplares hoje costumam ser impressos na gráfica do Senado Federal como uma homenagem dos políticos do Acre aos eleitores daimistas.
ENZIMA
A ayauhasca é uma dessas criações espantosas da medicina indígena, uma combinação química feita intuitivamente pelos nativos a partir de dois vegetais que nem sequer crescem um perto do outro. O psicobiologista Elisaldo Carlini, da Escola Paulista de Medicina e atual secretário de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, explica que o cipó, conhecido como jagupe, contém dimetiltriptamina, ou DMT, uma substância que, quando ingerida, produz fortes alterações mentais. Ocorre que uma das enzimas presentes no intestino humano impede a absorção do DMT. A função do segundo ingrediente da ayauhasca, a planta conhecida como rainha, é neutralizar essa enzima.”O DMT pode levar a vários estados de alteração mental”, explica o médico Carlini. “A pessoa pode entrar em delírio, ter alucinações ou apenas ilusões visuais.” Desde 1961, o DMT, em sua forma sintética, é proscrito para uso humano pelo International Narcotics Control Board, órgão da ONU que estuda as substâncias químicas e aconselha os países membros da entidade quanto à sua regulamentação. A ONU, porém, nunca se manifestou sobre a ayauhasca. No Brasil, o Conselho Federal de Entorpecentes, Confen, encomendou estudos sobre a ayauhasca em 1992 e entendeu que não deveria proibi-la. “Na época, constatou-se que sua utilização era ritualística e que não havia motivos para o Estado intervir no assunto, mas é possível que essa posição mude no futuro”, diz Luiz Matias Flach, presidente do Confen. “A ayauhasca sem dúvida tem propriedades alucinógenas”, ele completa. No início do ano passado, o Confen determinou que o chá não seja ministrado a menores de idade nem a portadores de qualquer forma de distúrbio mental. A primeira determinação é solenemente ignorada pelos daimistas. Quanto à segunda, não há nenhum controle a respeito da saúde mental dos que consomem o chá.
MERCADO NEGRO
Os médicos concordam que a ayauhasca, quando tomada apenas durante a cerimônia, para atingir o transe espiritual, é inofensiva. Acontece que cada vez mais ela vem sendo usada indiscriminadamente. Os grandes centros daimistas fabricam cerca de 8 000 litros de chá por ano. É impossível exercer um controle rígido sobre a utilização do produto. Nos últimos tempos, até em centros de candomblé de Rio Branco pode-se ver gente consumindo ayauhasca. “Muitas pessoas estão pirando com o daime, largando a família, o trabalho, porque tomam a bebida sem acompanhamento espiritual”, diz um veterano daimista de Rio Branco. Parte do chá produzido no país é exportada para os dez centros daimistas que hoje funcionam no exterior, na França, Espanha, Holanda e Finlândia. Teoricamente, ele deveria chegar a esses países de graça, ou em troca das pequenas doações mensais de 5 ou 10 reais que os adeptos do daime costumam destinar aos centros para cobrir os custos de produção. Sabe-se, no entanto, que a ayauhasca no exterior já é comercializada no mercado negro, a 30 dólares o litro, suficiente para meia dúzia de doses. Por coincidência ou não, as pessoas que acabam se indispondo com a seita depois de freqüentá-la são egressas na maioria dos casos justamente do Céu do Mapiá, o principal centro do Cefluris. A aldeia do Céu do Mapiá reúne hoje cerca de 800 pessoas que vivem em regime comunitário. Está instalada dentro da Floresta Nacional Mapiá-Inauini, criada pelo governo Sarney em 1989 numa área de 311.000 hectares no sul do Amazonas. Nessa área, o Ibama delimitou oito territórios para o desenvolvimento de projetos-modelo de ocupação e manejo sustentado da floresta. Um deles foi entregue ao Cefluris. Nele, os daimistas dedicam-se a atividades extrativistas, beneficiam frutas e castanhas, realizam seus cultos e, no dia-a-dia da comunidade, praticam o escambo com alimentos e serviços.
“MESSIANISMO”
Não faltam testemunhos, porém, de que o Céu do Mapiá está longe de ser um paraíso. Um publicitário paulista que passou três anos no local diz que o espírito comunitário do Cefluris vale apenas para os habitantes mais humildes. “Os mais esclarecidos formam uma classe dominante, que come melhor e tem acomodações mais confortáveis” , afirma ele. “O Mapiá tem também um ditador, o Polari, que se perdeu no messianismo e no despotismo”, diz o publicitário, que prefere ficar no anonimato. Um estudante gaúcho que há pouco tempo passou um período no Mapiá também voltou com má impressão. “Há muita gente que está lá apenas para ficar doidona, e quem tem dinheiro vive muito melhor”, ele diz. O carioca Carlos Alberto Macedo, sócio de uma firma de produção de vídeos, passou três anos entre os daimistas do Cefluris, no Rio e no Mapiá, e não gosta de lembrar o que passou. “Quando se começa a freqüentar o Santo Daime, entra-se numa microssociedade que tem todos os defeitos das sociedades grandes: corrupção, privilégios etc”.
E é muito difícil sair dela, pela própria pressão dos fiéis. Tem muito mais gente pirando lá dentro do que se noticia. Quando alguém não agüenta a barra, começa a ouvir que não está agüentando ‘a luz’, e que isso é muito grave. As pessoas acabam desvitalizadas, amorfas.”
CRIME PASSIONAL
O pai de Carlos Alberto, Luiz Macedo, publicitário e vice-presidente do Jockey Club do Rio de Janeiro, conta que passou por um sufoco para tentar tirar o filho do Santo Daime. “Ele estava à beira do fanatismo, sofreu uma lavagem cerebral, foi explorado. Quando vi a situação, resolvi resgatá-lo. Fui falar com o padrinho Sebastião Mota, um pobre caboclo que se achava enviado de Deus. Não adiantou – havia um cerco em volta do meu filho. Duvido que algum pai cujo filho tenha freqüentado o Santo Daime tenha alguma palavra de simpatia pela seita.”O padrinho Sebastião Mota a que Macedo se refere, morto há cinco anos, era o principal discípulo de Irineu Serra, o fundador do Santo Daime. Mota criou o Cefluris e
foi também o responsável pela introdução na seita do hábito, hoje teoricamente abandonado, de acompanhar a beberagem da ayauhasca com cigarros de maconha. Batizada de “santa maria” pelos daimistas, a maconha fazia parte dos rituais do Cefluris até 1992, quando a Polícia Federal resolveu acabar com a festa. Numa visita à Colônia 5000, os policiais queimaram uma enorme plantação de maconha e receberam a promessa do padrinho Raimundo Nonato, neto de Mota, de que a
partir daquele momento a erva estaria fora dos cultos. Nonato já recebera outras visitas da polícia. Pouco antes do episódio da maconha, seu ex-sócio no comércio de secos e molhados foi preso por tráfico de cocaína. E há vinte anos ele foi indiciado num processo de crime passional por ter matado e cortado os órgãos sexuais de um desafeto que andava tentando seduzir as mulheres da colônia. No julgamento, foi absolvido sob a tese de legítima defesa da honra. O Céu do Mapiá é hoje freqüentado por turistas brasileiros e estrangeiros que buscam conforto espiritual ou apenas uma aventura exótica. Quem não tem dado as caras pm lá são os artistas, que transformaram o Santo Daime na seita da moda nos anos 80. Muitos deles são reticentes ao falar sobre o assunto, o que indica que suas experiências não teriam sido tão positivas quanto eles alardeavam na época. O cantor Eduardo Dusek guarda boas lembranças: “O Daime é uma terapia natural, se parece com as viagens de regressão conduzidas pelos psiquiatras” , diz. Ney Matogrosso acha que o Daime “proporciona uma experiência diferente para cada pessoa”. Já a atriz Maitê Proença, que tomou ayauhasca até o sexto mês de gravidez de sua filha Maria, simplesmente se recusa a falar no assunto. Sua colega Lucélia Santos, que chegou a ser a garota-propaganda do Santo Daime, também não abre a boca pé\ra avaliar sua passagem pela seita. O ator Raul Gazolla, porém, que na época era casado com Lucélia, tem reclamações a fazer. “Eles passaram a perna na Lucélia, que arrecadou 30.000 dólares para a seita e, quando foi ver, o dinheiro havia sumido”, acusa Gazolla. “O Santo Daime tem muita gente com fé, mas os que administram a seita só têm má-fé. Onde já se viu gente criada na Zona Sul do Rio falar com sotaque caboclo de uma hora para outra?”, questiona Gazolla. Funciona em Rio Branco, meia dúzia de outras correntes daimistas, como o Barquinho e o Alto Santo, freqüentadas e administradas por gente simples e humilde, que busca preservar as tradições primitivas da seita. Nesses centros não há turistas, projetos comunitários ou líderes messiânicos. Mas é outra a situação do grupo instalado no Céu do Mapiá. Tanto em Rio Branco quanto em Boca do Acre – cidadezinha que funciona como base para tomar as embarcações até o Mapiá – todos parece ter uma história para contar de um parente ou amigo que teve uma experiência ruim com o Santo Daime. Histórias assim já fazem parte do folclore das duas cidades. Invariavelmente, o personagem em questão freqüentava algum dos centros ligados ao Cefluris. Agora, com as denúncias de Alicia Castilla e Jorge Mourão transformadas em livros, o coro de ataques a essa corrente da seita torna-se ainda mais carregado.