Conhecimentos XamânicosXamanismo

A Mulher Espírito Bisão Branco – Mulher Búfalo Branco

Conto Ancestral Indígena

Por meio de histórias nossos ancestrais nos deixaram um legado atemporal, como se pudessem reunir todo aprendizado de seu tempo em contos, contados e repassados de geração para geração. Esses contos ancestrais fizeram e, fazem parte de um contínuo desbravar sobre a vida. E desvendar o significado de cada história é tocar aos poucos o legado de silêncio e mistério que nossos ancestrais nos deixaram. Nosso Padrinho e Xamã Gideon dos Lakotas era um grande contador de histórias, quem o conheceu sabe disso (no site em: Histórias de Luz, temos muitas histórias contadas por ele).

Algo é comum entre as histórias que permeia a mente humana. Ao ler ou ouvir uma história, age em nós uma força psicológica que busca significados. Por estar em nossa psique (mente) essa força movimenta nosso mundo interior, nos fazendo tomar consciência de comportamentos, pensamentos, sentimentos e valores. Os símbolos de uma história são capazes de nos mostrar o mais belo aspecto de algo, como nos conduz ao extremo oposto na tentativa de que tomemos para si a força presente na totalidade de nosso Eu interior.

Vamos retratar aqui o legado cultural e espiritual norte americano com a história ancestral da Mulher Búfalo Branco, aquela que é conhecida por ser a representante do cachimbo sagrado.

Há muitas versões do mesmo mito, mas traremos um resumo da referenciada por Robert A. Johnson em seu Livro: WE (Nós) 1987, escritor norte-americano, estudioso de Jung, da natureza dos símbolos e psique (mente) humana. Descrito a seguir:

“Dois batedores saíram a caça de bisões quando no topo de uma alta colina, olharam para o norte e viram algo surgindo de muito longe. Ao se aproximar mais um pouco, exclamaram: “É uma mulher sagrada; livre-se de todos os seus maus pensamentos.” Era uma mulher jovem e muito bonita, usava roupas de camurça branca e seus cabelos eram muito longos. Ela lia seus pensamentos e disse em uma voz que mais parecia um canto: “Você não me conhece, mas se quiser fazer o que está pensando, pode vir.” Um dos batedores, o parvo, foi ao encontro da bela jovem, mas assim que ficou diante dela uma nuvem branca envolveu-os. Ao desaparecer da nuvem, o que restou do parvo era apenas um esqueleto coberto de vermes. Então a mulher disse ao que não era parvo para que retornasse ao seu povo e avisasse que ela estava chegando, pedindo para que construíssem uma tenda ao centro de sua tribo para recebê-la. O homem retornou apavorado e avisou os demais, do qual esperaram a mulher em volta da tenda. Depois de algum tempo, chegou à  tribo e entrou na tenda; de sua boca saiam nuvens brancas perfumadas enquanto entoava cantante alguns versos:

Com hálito visível estou caminhando.

Envio minha voz enquanto caminho.

De forma sagrada estou caminhando.

Minhas pegadas são visíveis enquanto estou caminhando

De forma sagrada caminho.

 

Em seguida deu ao chefe da tribo um cachimbo, cujo detalhe entalhado na madeira era um filhote de bisão – representando a terra e seu alimento- junto ao cabo 12 penas de águia, amarradas por uma fibra resistente – simbolizando o céu e as doze luas. Ao final disse ela: “Ouçam, vocês se multiplicarão e serão uma nação justa, sempre receberão coisas boas. Mas somente a mão dos bons devem tocá-lo, e os maus não deverão sequer pôr-lhe os olhos.” Cantando ela foi deixando a tenda, e enquanto a observavam partir, viram-na transformar-se em um bisão branco (búfalo branco) e sair galopando, desaparecendo campo afora.

Assim esse mito foi contado e recontado durante muitas gerações.

(Neihardt, in Black Elk Speaks, 1932: apud Johnson, in We, 1987)

 

 Búfalo Branco e a prática do Cachimbo Sagrado

 

Poderíamos dizer que as histórias de maneira geral, nos permitem um diálogo entre nosso mundo interior (espiritual) e o mundo exterior (matéria) e o diálogo entre esses dois reinos poderia ser conduzido por nossa “alma”, aquela que permeia as experiências dos dois mundos e oferece-lhes significado.

Alguns dos símbolos observados na história que remete ao início da prática do cachimbo na tribo é a presença de um feminino sagrado: a Mulher-Espírito. Jung refere a esse feminino interior como “anima” e o masculino interior como “animus”  ambos vivem como imagem simbólica dentro de todos os seres humanos, homens e mulheres.

“Energia feminina é recepção, é a flauta, é a intuição, é a lua. Energia masculina é criação, é o tambor, é o dínamo, é o sol. Tais forças já se encontram dentro de cada homem ou mulher. O equilíbrio de ambas é uma necessidade para o crescimento espiritual”. Xamã Gideon dos Lakotas

 

A fornalha do cachimbo simboliza a energia feminina: lua, chacrona e intuição, acalento, flauta, recepção, colinho da Mãe Divina. Já o tubo do cachimbo simboliza energia do masculino: Sol, jagube, ação, centro, tambor, criação, colinho do Pai Divino (Hino 31- Ritual do Cachimbo Sagrado)

Na história quando a Mulher Búfalo Branco se apresenta há uma dualidade que aparece entre os dois batedores. Apenas um a olhou como  Sagrada Mulher Espírito e este retorna à tribo preparando-os para sua chegada, assim ela os presenteia com o cachimbo.

Neste trecho da história podemos perceber que o valor oferecido ao cachimbo é o de reconhecimento interior, o presente chegou a todos da tribo por haverem preparado a tenda ao centro para receber a Mulher Sagrada, e perceberem com respeito de que se tratava de algo sagrado em suas vidas, não redutível a nada que seja material.

“A manifestação feminina da mente de DEUS é a própria intuição, ou seja, o canal por onde passa a inteligência superior do cosmo” Xamã Gideon dos Lakotas

O que nos faz perceber o Sagrado não está nas coisas, e sim, em nós mesmos. A ayahuasca ou o cachimbo são sagrados? Tais ferramentas nos fazem relembrar de que nós somos o Sagrado. Contudo, somente através da meditação se alcança maior compreensão sobre si mesmo.

“Você é o espírito, é aquele que sente, é a essência, é o condutor da carruagem, é o perfeito e o Amor…É o Absoluto!” Xamã Gideon dos Lakotas

Quando a Mulher Búfalo Branco diz: voltem e façam uma tenda no meio de seu povo para me receber, ela nos diz igualmente para que no centro de nossa vida deixemos um espaço para receber o Sagrado, ou devolvê-lo ao seu lugar no centro da vida, no centro de nós mesmos.

“Se revestindo de toda seriedade e respeito, cada pitada será sagrada. E um convite para participar e ser honrado, cada forma de espírito irmão. Este ritual envolve o sagrado e o honrado.” (Hino 31- Ritual do Cachimbo Sagrado)

Essa reverencia à devoção, seria o olhar humilde ao que é profundo, extenso, universal, nos fazendo tomar consciência de nossos comportamentos, pensamentos, sentimentos e valores.

Talvez por isso, ainda hoje nos reunimos em volta da fogueira para essa prática ancestral do cachimbo sagrado. Todos em volta do fogo ao centro junto de pessoas queridas por nós, no sentimento de tribo, de união e harmonia. Percebendo o sagrado como um sentimento/entendimento que direciona ao sentido da vida.

Ao praticar o cachimbo em tribo, vivenciamos um sentimento de comunhão entre irmãos, pois naturalmente nos harmonizamos e por vezes silenciamos, passando assim a abrir um espaço maior para que esse Sagrado se manifeste como imagem simbólica e como força de virtudes no reino interior.

“VOCÊ Essência é a Consciência é a que vem antes do pensamento, antes das emoções, antes das sensações, antes das movimentações. Você Essência é a Consciência que permanece quando no silêncio pleno da mente, na ausência plena das emoções, na completa ausência das sensações e movimentações”. Xamã Gideon dos Lakotas

 

O ar, a respiração, o sopro da vida, é também a lembrança da substância de Deus presente, aquela que do invisível transforma-se em visível. A Mulher Búfalo Branco é parte desse invisível e através do cachimbo, sua presença torna-se visível em substância. Neste ato sagrado do cachimbo, habita a comunhão de dois mundos em uma experiência simbólica. E isso só pode ocorrer de maneira consciente, quando o ego (mente racional) decide com humildade, admiração e respeito render-se ao mundo interior. Pois o sagrado não está no cachimbo como objeto material, e sim no movimento gerado pela consciência de reconhecer ao que é sagrado.

E o que seria a experiência simbólica se não o ato de vivenciarmos a realidade da fé? Contudo, segundo o autor citado ainda há diferenças entre uma fé psicológica e uma fé espiritual. A fé psicológica busca em imagens a comprovação do que acredita. A fé espiritual é um nível mais profundo de compreensão, é o sentir e observar das interações e substancias que vivem no mundo tanto quanto nós vivemos; e que se doam a esse mundo, tanto quanto nós nos doamos, observando os fenômenos e suas relações conosco, nos aproximamos do sentido oculto das coisas emergindo em dois mundos, ou em comunhão com dois mundos.

Aprender com a natureza, observando-a e integrando-se a ela é viver no xamanismo.

Referências:

JOHNSON, R, A. We: a chave da psicologia do amor romântico. São Paulo: Mercuryo, 1987.

GIDEON DOS LAKOTAS. Manifestação Masculina e Feminina da mente de Deus. Disponível em: https://www.ceunossasenhoradaconceicao.com.br/conhecimento/manifestacao-masculina-e-feminina-da-mente-de-deus/

GIDEON DOS LAKOTAS. Quem é Você? Diferença entre entendimento e compreensão. Disponível em: https://www.ceunossasenhoradaconceicao.com.br/livros/a-inoptavel-busca-do-ser/capitulo-i-quem-e-voce-diferenca-entre-entendimento-e-compreensao/

GIDEON DOS LAKOTAS. Hino 31- Ritual do Cachimbo Sagrado. Disponível em: https://www.ceunossasenhoradaconceicao.com.br/hinario/hino-31-ritual-do-cachimbo-sagrado/

Leonardo Linhares

Advogado, fundador do escritório Advocacia Linhares com sede em Pariquera-Açu/SP. Atuante nas defesas da expressão religiosa envolvendo os ritos com Ayahuasca. Seguindo os passos de seu Pai Xamã Gideon dos Lakotas, defende uma Ayahuasca limpa e pura, com rituais sérios voltados ao despertar do ser, livre da usurpação de drogas e do comércio com a fé.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo